Transformação digital do setor depende de colocar a tecnologia como parte estratégica do negócio e desenvolver uma nova cultura, focada nas necessidades dos clientes
O varejo precisa passar por um intenso processo de transformação cultural para poder lidar com os desafios de consumidores digitais e que não são apegados aos canais, métodos e processos tradicionais. Essa transformação exige novas abordagens para os contatos com os clientes ao longo da jornada de compras e criam um novo papel para a tecnologia, no centro estratégico das operações e do relacionamento com os clientes. No mês de janeiro, durante o Digital Consumer Experience (DCX), evento para cerca de 300 convidados em Nova York, o Co-CEO da VTEX, Geraldo Thomaz, conversou com Tom Litchford, Head Worldwide Business Development – Retail da Amazon Web Services, sobre o papel da tecnologia na criação de um novo varejo, mais ágil e orientado ao cliente. Confira alguns trechos:
Geraldo Thomaz – Para ter sucesso no mundo atual, todo mundo deveria ter algum nível de conhecimento em TI. O que você pensa a respeito disso?
Tom Litchford – É preciso realmente criar uma cultura que abrace a tecnologia como parte do negócio, e não como uma área isolada que entrega algumas demandas pontuais. Na AWS, temos conceitos como as “equipes de duas pizzas”, grupos de 6 a 8 pessoas com profissionais de várias áreas, justamente para manter o foco naquilo que o negócio precisa entregar, e não no que é confortável para a empresa. A partir do que é preciso entregar, vamos voltando ao início do processo para fazer acontecer, usando o que for preciso em termos tecnológicos. Não acreditamos que o negócio deva ser tocado por geeks, mas os profissionais precisam colocar um pé na tecnologia, entender melhor do que se trata, para que a TI seja estratégica para a empresa e não seja mais vista somente como um custo.
Thomaz – Na sua visão, qual é o papel do ponto de venda físico para o varejo do futuro?
Litchford – Grande pergunta. Muita gente andou prevendo nos últimos anos que o varejo físico iria morrer e ouvimos muito a expressão “apocalipse do varejo”, que foi um grande exagero. Nos Estados Unidos, a temporada de Natal foi muito positiva, com crescimento de 5% a 6% nas vendas. É fato que muita gente saiu do mercado: aqueles que ficaram para trás e não conseguiram se reinventar para atender ao que os clientes querem. Os varejistas que estão à frente da concorrência são aqueles que pararam de pensar em termos de “canais de compra” e estão focados em oferecer o produto certo para o cliente certo, na hora certa. Os clientes querem ter uma experiência consistente com as marcas, não importa se na loja física, pelo celular, ao telefone ou no computador. Nesse cenário, as lojas físicas não vão morrer, mas estão sendo reinventadas, com foco em experiência e em complementar a jornada de compras que muitas vezes começa no online.
Thomaz – Como as pessoas reagem à identificação passiva dos clientes nas lojas físicas? Como fica a questão de privacidade nesses casos?
Litchford – Depende de quem é o cliente. Existe uma questão de gerações muito importante aqui. Vejo minhas filhas, por exemplo, entregando suas informações de graça, sem preocupação nenhuma. Mas, como varejistas, precisamos estar muito atentos ao que fazer com esses dados e com o valor que ele agrega ao negócio. Acredito que o varejo deve se autorregular nessa questão e estamos trabalhando com as empresas do setor para criar essa percepção.
Thomaz – O real desafio é desenvolver relacionamentos individualizados com os clientes também no offline. Especialmente no caso do varejo de massa (como supermercados, vestuário e farmácias), como fazer isso sem criar um atrito extra no PDV, já que é preciso coletar os dados dos consumidores?
Litchford – Os varejistas online têm uma boa ideia do que os clientes estão fazendo, quem eles são e no que estão interessados. Em um ambiente omnichannel, o varejo precisa oferecer o mesmo nível de experiência. Para isso, é preciso investir em tecnologia para rastrear o cliente em todos os pontos de contato. Mas não podemos ser Big Brother demais aqui: o varejo precisa ter cuidado em como identificar os clientes nas lojas. O lado bom é que muitos consumidores estão dispostos a oferecer informações pessoais ao varejo, desde que vejam como elas são aplicadas para melhorar sua experiência de compra. E valorizam isso! É por isso que os programas de fidelidade se tornam cada vez mais importantes. E, hoje em dia, a tecnologia cloud faz com que seja muito mais simples coletar os dados, analisá-los e entender o que os clientes querem. Também é importante incorporar um “espírito de startup” ao varejo. Ao obter insights com os dados dos clientes, teste novas ideias. Se elas funcionarem, escale-as rapidamente. Se não derem certo, abandone-as logo e parta para outra.
Thomaz – Como ficam os shopping centers nesse novo ambiente de varejo, em que o online tem cada vez mais força?
Litchford – É um novo desafio, sem dúvida. As empresas de maior porte e mais inovadoras têm uma grande oportunidade na construção de marketplaces, levando para o online a experiência de “one stop shop” que oferecem no mundo físico. Já dentro dos malls, já estamos vendo, e veremos ainda mais, exemplos de novos conceitos, com muita colaboração entre empresas. É o que vemos nas lojas Apple dentro de lojas da Best Buy, ou das parcerias que a supermercadista americana Kroger fez com a rede de farmácias Walgreens para store-in-store. O que importa é o que faz sentido para os consumidores, mesmo que isso faça com que seja preciso jogar fora as regras do setor.
Thomaz – Como o varejo pode inovar com a velocidade necessária?
Litchford – É preciso primeiro ter a consciência de que é preciso inovar. A cultura é o aspecto mais importante de tudo isso, e se não houver mudança cultural, não haverá transformação. Uma vez dito isso, o varejo precisa deixar de lado o medo de errar. A nova filosofia tem a ver com testar e escalar rápido o que funcionar. Mas é preciso aceitar que a inovação nem sempre dá certo, e às vezes dará muito errado. Vivemos isso dentro de casa: o Fire Phone da Amazon foi um fracasso de US$ 300 milhões, mas foi só a partir do que aprendemos com ele que construímos toda a linha Alexa de equipamentos comandados por voz. Os erros precisam ser vistos como oportunidades para aprender mais.
Thomaz – O mindset ágil é complicado para o varejo. Que dicas você daria para quem está começando a trilhar esse caminho?
Litchford – Um ponto importante é que as mudanças internas rumo a uma cultura ágil não acontecem da noite para o dia. Leva tempo e exige muito esforço. Outra dica que eu dou e que facilita a adoção dessa cultura é adotar a “abordagem das duas portas”: se você testar algo que deu errado, tenha um caminho para rapidamente dar um passo atrás e desfazer o que foi feito. Isso estimula a experimentação, pois você pode sempre recuar caso algum problema ocorra. Nenhuma falha se torna pesada demais. E erros vão acontecer, isso é certo.