A multa da European Commissioner for Competition ao Google e os monopólios na era digital
No dia 27 de junho de 2017, a União Europeia multou o Google em 2.7 bilhões de dólares, por favorecer seu próprio serviço, o Google Shopping. Segundo discurso de Margrethe Vestager, representante do European Commissioner for Competition “O que o Google fez é ilegal na visão das leis anti monopólio da União Europeia”.
Segundo discurso, o sistema Google Shopping sendo prioritariamente exibido na primeira página do resultado de busca, inibe a competitividade de outras ferramentas similares que, segundo análise, “aparecem na média apenas na quarta página.”
Por fim, o discurso de Vestager traz mais uma questão. Segundo ela, o serviço Google Shopping retira a possibilidade “genuína de escolha do consumidor”.
O Google rapidamente respondeu a tal questionamento dizendo que “respeitosamente discorda da decisão” e que vai analisar a decisão com detalhes para possivelmente recorrer a decisão.
Sobre os fatos, o que podemos concluir?
O motivo da multa
Google não fui multado por ser um sistema de busca ou por fazer comparação de preços. Ele foi multado porque privilegiou seu próprio serviço, o Google Shopping, uma vez que ele é apresentado ao usuário antes do que qualquer outro sistema similar que, como comentado anteriormente, aparece em média apenas na quarta página.
Sobre esse aspecto, a European Commissioner for Competition entende que o Google infringe a lei anti monopólio. Para eles, o Google não permitiu a livre concorrência entre comparadores de preço.
Portanto, podemos entender que o Google teria três saídas:
- Tornar o buscador de preços uma página tradicional e “esperar” ser indexada organicamente;
- Manter a estratégia mostrando comparadores de preços antes do resultado e, ao clicar, o usuário é redirecionado para todos os comparadores escolhendo aquele que deseja utilizar;
- Retirar o Google Shopping.
A resposta do Google
Como era prevista, a resposta do Google foi rápida e em discordância com a decisão da European Commissioner for Competition. Porém, ao longo do pronunciamento, Kent Walker, SVP do Google, abordou bastante o comportamento do consumidor.
Segundo ele, os consumidores querem encontrar os produtos que desejam de maneira simples e rápida e as empresas querem promover esses produtos. É por isso que o Google mostra anúncios em formato de shopping.
Walker ainda conclui dizendo que a decisão subestima o valor dessas rápidas e fáceis conexões e que o Google quer mostrar prioritariamente os resultados no formato de shopping, afinal, o usuário prefere ser direcionado direto para a página do produto do que entrar na loja e ter que realizar novamente a busca.
Oras Walker, isso sim, nós sabemos, afinal, o Google Shopping vem entregando ROAS bem acima da média dos outros formatos do próprio Google. O serviço prestado é vantajoso a qualquer varejista e também para consumidores.
Se por um lado o Google inibe com qualquer possibilidade de sistemas comparadores de preços sobreviverem no mundo, devemos nos perguntar:
Seria o monopólio do Google prejudicial ao mercado ao ponto de sofrer multas?
O monopólio como conhecemos
Em qualquer aula de macroeconomia aprendemos que os monopólios e as oligarquias são prejudiciais ao mercado pois não há competitividade. Essas empresas detêm tamanho poder que interferem sozinhas tanto no preço quanto na qualidade do serviço em prol exclusivo de seus interesses.
De fato, se analisarmos os livros que estudamos na época de faculdade, esse conceito está correto e bem aplicado quando por exemplo falamos de commodities por exemplo. Uma empresa que detém sozinha o processo de extração de petróleo e de produção de gasolina, tem total aderência ao conceito.
Qualquer outro setor que possua restrição de entrada de concorrentes seja por uma lei ou por uma barreira imposta por um pequeno grupo, sim é prejudicial ao mercado. Mas seria esse o cenário que vemos no mundo da tecnologia?
O monopólio do Google
No início dos anos 2000, existia Google, Lycos, Altavista entre outras iniciativas que surgiram com o nascimento da internet. A competição entre elas foi livre e depois de alguns anos, Google detém 95% do market share de buscas realizadas por desktop e mobile, ou seja, sem dúvidas, ele é um monopólio. Porém, seria ele um monopólio igual ao petróleo? Com certeza não.
Vamos analisar por que ele se transformou em um monopólio, detendo 95% do tráfefo. O primeiro fator está relacionada criação de uma nova demanda. Larry Page, fundador do Google, assim como outra pessoas na época, idealizou que com a massificação da internet, bilhões de pesquisas seriam feitas. O surgimento do Google, e de outras empresas, foi a partir de uma oportunidade de negócios.
Depois de anos com livre concorrência entre as empresas, eu, você, nossos filhos, nós, o mercado, decidimos que o Google foi a ferramenta que melhor trouxe o equilíbrio de mercado e que entregou o melhor serviço e diferenciais.
A concorrência que deve existir entre as empresas já aconteceu há anos e já há um vencedor. Enquanto isso, a inibição de outras ferramentas não foi e nem será feito pelo Google, foi e continuará sendo pelo mercado.
O Google conseguiu se diferenciar justamente porque apresentou resultados melhores e entregou para o usuário a capacidade genuína de escolha que foi citado por Vestager. Melhor ainda, o Google conseguiu inclusive prever o que os usuários estão perguntando e entregar resultados ainda mais assertivos.
Mas Larry Page não só criou a demanda pelos buscadores a partir de uma oportunidade observada mas também desenvolveu o melhor produto que trouxe ao mercado a melhor ferramenta de busca, cuja escolha foi feita pelo próprio usuário.
Durante todos anos o Google, por meio do AdWords, foi uma ferramenta que massificou e trouxe possibilidades de investimento inclusive para o micro empresário que antes, só poderia investir na TV e na rádio.
Hoje, na maioria das vezes, somente os médios e grandes conglomerados possuem capital para investir nas primeiras posições pagas do AdWords. Seria isso também encarado como retirada da escolha genuína do usuário? Haverá uma multa para o AdWords?
E se só tivéssemos resultados orgânicos, nada de pago, seria possível uma pequena ou média empresa ter resultados melhores do que uma grande empresa? Seriam as menores capaz de investirem mais em SEO? Logo podemos concluir que a busca orgânica também pode ser encarada como inibição da livre concorrência e isso é muito perigoso para o mercado.
Imagine se o Google não existisse? Ainda estaríamos lendo jornais e comprando exclusivamente em shopping. Imagine se não houvesse mídia digital? Somente teríamos grandes empresas detentoras do capital para investir em TV.
Portanto note que, enquanto no monopólio inicialmente estudado nos gera ineficiência de mercado, no mundo digital temos uma grande diferença: o monopólio foi gerado justamente pela livre concorrência e após anos, a eficiência gerada foi não só para o Google, mas para o usuário e para as empresas. A ordem é inversa. O benefício é completo.
Agora retomemos a questão principal do assunto: European Commissioner for Competition multa a Google por inibir a competitividade de outras ferramentas? Seria isso verdade? Seria alguma empresa capaz ser melhor do que o Google?
Em 2016 o Google faturou mais de 90 bilhões de dólares e gastou entre despesa e custo mais de 60 bilhões de dólares. Será que seria possível qualquer empresa conseguir concorrer com o Google no nível que eles chegaram?
O nível de conhecimento de negócios, a tecnologia e capacidade de investimento do Google são tão maiores que mesmo colocando todos os comparadores de preço juntos no resultado de busca, é muito, mas muito provável, que o Google seja o melhor, afinal, isso já aconteceu uma vez, bem antes do Google possuir toda a força que tem hoje.
A resposta é que o Google sim é um monopólio, mas o que podemos entender como um monopólio saudável que surgiu após o equilíbrio de mercado de uma oportunidade observada, que trouxe comodidade para os consumidores e alocação mais eficiente dos investimentos para as empresas. E mesmo que uma empresa surja com uma ideia diferente, o mercado irá decidir e migrar de sistema, como foi com o surgimento do Facebook e a queda do My Space.
A oligarquia que vem aí: os marketplaces
Outros segmentos também começam a se consolidar e tendem, nos próximos anos, serem considerados monopólios ou oligopólios. Em 2016, 43% de todas as compras online realizadas nos Estados Unidos foram geradas através da Amazon.
Com o aumento constante do investimento em mídia online, os preços começaram a subir ao ponto de não mais ser acessível para pequenas e médias empresa. Já podemos notar que, em geral, somente as grandes empresas possuem capacidade de investimento para as primeiras posições do Google.
É nesse momento que novamente o equilíbrio de mercado, a livre concorrência, cria novas empresas que com o passar do tempo desenvolvem vantagens competitivas e entregam valor ao consumidor. Assim como o Google foi escolhido há anos, a Amazon está sendo escolhida neste exato momento.
Diante de vários formatos testados ao longo dos anos no varejo digital visando equilibrar o mercado, foi o marketplace que trouxe os melhores resultados tanto para os consumidores quanto para as empresa.
Sim, o conceito é o mesmo. O Google e Amazon são marketplaces, um de buscas e o outro de produtos. Se a Amazon claramente é uma empresa que possibilita milhares de lojas venderem online, aumentando a concorrência, por que o Google não é também? Se a Amazon facilita o processo de escolha, centralizando “todos” os produtos em um só lugar, por que o Google também não é?
Customer Centric e Product Centric
O que podemos concluir dessa análise é o mundo que estudamos nos anos 90 era basicamente formado por indústrias e marcas. Essas empresas são conhecidas como Product Centric, ou seja, são especializadas na cadeia de produção do produto.
Quando vemos um monopólio ou uma oligarquia neste tipo de empresa, todo nosso conceito negativo é verdadeiro. A centralização em uma ou poucas empresas em prol apenas delas, põe em risco o mercado e já vimos a história ser contada em mercados pouco desenvolvidos que foram protegidos e em pouco tempo, quebraram.
Porém, com o advento da internet e a evolução dos mercados, surgiram empresas Customer Centric, ou seja, aquelas que lidam exclusiamente da relação com o consumidor B2C. Elas não estão na cadeia produtiva, possuem estoque ou ativos. O objetivo dessas empresas é intermediar o dono do produto (Product Centric) com o consumidor.
Quando surgem empresas desta característica, podemos ver diversos exemplos de mercados que começaram com livre comércio, concorrência e em alguns anos se tornaram monopólios ou oligarquias.
Tanto Google quanto Amazon são claros exemplos de empresas Customer Centric. Outras também podem ser encaixadas no mesmo perfil: Uber, Air BNB, UberEats, Delivery.com entre outras.
Todas as empresas que surgirem no mundo digital, como empresas Customer Centric, tendem em alguns anos a se consolidarem em grandes monopólios ou oligopólios trazendo maior eficiência para as empresas e maior comodidade para os consumidores.
Vale ressaltar que a decisão da European Commissioner for Competition abre precedentes para que outros países tomem a mesma atitude. Temos que pensar em qual seria o impacto dessa mudança caso fosse retirado o Google Shopping. Qual o custo para as empresas que anunciam? Quanto de dinheiro seria perdido no mundo? Qual seria a mudança no comportamento do consumidor?
Por fim, é importante destacarmos que outras empresas agora correm riscos. Airbnb que já teve problemas na Alemanha. UBER na França. E as menores, também sofrerão algum tipo de multa? É necessário entender que a relação consumidores e empresas mudou, que o mundo mudou e empresas customer centric são um dos agentes de mudança que equilibra o mercado e gera benefícios mútuos ao preço de termos um vencedor.