AB InBev mostra que empresas de todos os portes precisam adotar uma postura de startup, com processos ágeis e capacidade de estabelecer parcerias produtivas
Com 500 marcas e presença em 140 países, a AB InBev é um colosso que fatura mais de US$ 56 bilhões por ano e possui marcas como Budweiser, Stella Artois, Brahma e Hoegaarden. Ainda assim, a empresa está muito atenta aos riscos e às oportunidades de crescimento de seus negócios. Percebendo que seria muito difícil gerar tração para pequenas iniciativas que tivessem potencial transformador, a AB InBev optou por criar uma empresa dedicada à inovação. A ZX Ventures nasceu há quatro anos para ser o grande motor de crescimento da AB InBev. “Queremos fazer nossa disrupção antes que outros disruptem a gente”, afirma Guilherme Lebelson, fundador da ZX Ventures e VP Global de E-Commerce da AB InBev. Segundo ele, a criação da ZX veio da percepção do Conselho de Administração da empresa de que era preciso tomar alguma ação que evitasse que o gigantismo da companhia se transformasse em paralisia. Aberta a diferentes possibilidades de negócios dentro de um escopo que abrange 5 grandes verticais (e-commerce, craft & specialties, brand experience, home brewing e investimento em negócios paralelos), a ZX já estabeleceu quase 150 parcerias em pequenos negócios ao redor do mundo, além do investimento financeiro direto em mais de 40 empresas. “Não sabemos de onde virá a próxima ideia. Nosso trabalho é construir o futuro da empresa”, afirma Lebelson. Em Nova York, durante o Digital Consumer Experience (DCX), evento para convidados realizado paralelamente à NRF Big Show, Guilherme Lebelson e Mariano Gomide, Co-CEO da VTEX, conversaram sobre o modelo de negócios da ZX Ventures e como ela tem ajudado a AB InBev a incorporar inovações. Confira:
Mariano Gomide – Quase 100% do faturamento da AB InBev vem de canais estabelecidos de relacionamento com o consumidor. Como é implementar uma cultura que afeta totalmente o status quo da companhia?
Guilherme Lebelson – Quando você coloca o consumidor no centro do negócio, a pergunta muda. Você passa a se perguntar: “estou atendendo meu consumidor do jeito como ele quer ser atendido?” Se vou para um país em que ninguém está oferecendo cerveja ou outras bebidas para o consumidor online, tenho uma oportunidade que preciso aproveitar. Mas, como esse é um negócio novo, vamos investir nisso não como AB InBev, e sim como ZX Ventures, e dar um foco muito maior do que a corporação daria. Estou atacando uma oportunidade. Se houver outro canal que é importante para nós e que atenda ao que o consumidor deseja, vamos para esse mercado. Não podemos nos dar ao luxo de achar que o consumidor vai deixar de comprar online. Se eu ficar de fora do carrinho online, eu perco.
Gomide – Vocês atuam em diversas frentes, em vários países do mundo. Hoje, já podem afirmar que sabem onde está dando certo, quais os investimentos que vão ter retorno? Ou ainda estão na fase de fazer diversos investimentos para ver o que vai acontecer, e só então escolher?
Lebelson – Depende do país e depende da iniciativa. Mais uma vez, a pergunta é: “onde temos a oportunidade de fazer algo novo?” No final, nossa estratégia se concentra em Build, Buy, Partner: se construo um negócio do zero, se compro alguém ou se faço alguma parceria. Na China, por exemplo, minha prioridade é oferecer a melhor experiência para o consumidor online. Como no país qualquer consumidor abre o celular e consegue cerveja gelada onde quiser, não preciso abrir um canal novo. O caminho é ser o melhor parceiro de negócios para o varejo. Não tem porque criar uma plataforma própria para esse mercado se alguém já está fazendo isso melhor do que eu lá. A gente sempre parte de duas perguntas: Qual é o problema do consumidor que eu estou resolvendo? Tem alguém resolvendo esse problema melhor do que eu poderia? A partir daí é que definimos se o caminho é construir, comprar ou fazer parcerias.
Gomide – Como um varejista pode criar um polo de inovação em seu negócio? O que ele poderia fazer de imediato?
Lebelson – Acho que o caminho é pensar no que você está disposto a abrir mão para construir alguma coisa que vá impactar seu negócio. Você vai ter que abrir mão do controle de algumas coisas, de alguma margem, de algum negócio pode conflitar lá na frente com o que você faz hoje. Outro aspecto essencial é Gente: o dia começa e termina com pessoas. Na empresa você terá pessoas que ficarão tensas com essa nova cultura, outras se sentirão bem. Você vai ter que conversar com as pessoas e identificar com quem é possível confiar para fazer algo diferente. Tudo começa pela liderança, que tem que embarcar no projeto.
Gomide – O modelo de negócios da ZX Ventures é queimar dinheiro para criar a maior base possível de clientes ou olhar para os resultados financeiros e construir Ebitda? Que orientação é dada para os negócios que vocês criam e nos quais vocês investem?
Lebelson – Tudo é um processo. Não adianta achar que vai colocar alguém para ir “tocando o negócio”, deixar acontecer e ter resultados. É exatamente o contrário: quanto mais novo o empreendimento, mais você precisa se aproximar e acompanhar. Hoje, há modelos de investimento de venture capital em startup que mostram que se você não tiver as métricas necessárias, você não cria algo sustentável. É muito fácil olhar para o modelo da Amazon e perceber seu sucesso sem olhar os mecanismos por trás disso. Existe uma lógica. É preciso que se tenha um processo muito claro de métricas que orientam cada estágio desse negócio. Começa com um investimento pequeno, vê se os resultados acontecem, investe um pouco mais, analisa se o negócio devolve as métricas que provem que ali você tem um negócio escalável. E se você entender que não tem (e essa é uma coisa que a gente demorou a aprender), é preciso criar um negócio novo, matando rápido a ideia antiga e partindo para outra.
Gomide – Nesse sentido, as unidades de negócios da ZX têm KPIs independentes ou elas trabalham com métricas comuns? Como se define isso?
Lebelson – A gente tem um processo em que cada fundador, cada CEO desses negócios vai determinar as métricas e o Conselho Consultivo dessas empresas confirma ou não essas métricas. Apesar de cada um ter suas métricas, se forem empresas muito parecidas, que estão no mesmo estágio, em segmentos semelhantes, talvez seja um mesmo KPI, com pequenas nuances. O importante aqui é que abrimos mão de uma estrutura central de controle para termos um ecossistema que se fala e define seus próximos passos. Isso dá uma enorme agilidade para entender o que funciona, para testar ideias e para alcançar resultados.
Gomide – Nesses quatro anos, quantas empresas incubadas já morreram? Quanto tempo demorou para matar esse negócio que não daria certo?
Lebelson – Algumas a gente precisa matar logo em uma semana, porque fica claro que a ideia não tem futuro. Tem outras que, por outro lado, a gente demora mais do que devia para descartar. Em média, demoramos uns nove meses para definir se uma ideia vai conseguir escalar ou não, então existe tempo para testar de diversas maneiras. Matamos muitas ideias que não ganham tração, mas há algumas que ganham escala. O importante é tratarmos cada oportunidade individualmente, pois nunca se sabe de onde vem o próximo grande negócio.
Gomide – Quando você fala em “ganhar escala”, é algo que tem escala no padrão AB InBev, de uma corporação presente em 140 países.
Lebelson – Para nós é um pouco diferente. Temos na ZX negócios que faturam milhões de dólares, mas ainda não foram passados para a corporação (que é o que para nós define “ganhar escala”). Para a gente, um negócio que escala é um negócio que é construído e então passa a fazer parte do nosso DNA. São aquelas operações que a gente passa para a AB InBev dizendo “daqui em diante, esse negócio está melhor com você do que comigo”, pois ele precisa dos recursos da corporação. A construção da marca Hoegaarden na Coreia do Sul é um exemplo que começou com a gente na ZX e hoje faz mais sentido fazendo parte da corporação. O mesmo com o e-commerce na China, em que fomos premiados pelo Alibaba e pela JD.com como os melhores parceiros de negócios deles. Se essas iniciativas começassem dentro da AB InBev, não teriam visibilidade e não conseguiriam os recursos para crescer. Fazendo parte da ZX, ganharam tração para depois serem incorporadas à AB InBev.
Gomide – Isso evita que negócios com potencial sejam descartados cedo demais, não?
Lebelson – Verdade. Sabemos que enquanto estão dentro da ZX, esses negócios estão protegidos. É por isso que a decisão de transferir o negócio para a “máquina” tem que ser tomada com muita calma, para entender se esse negócio vai estar pronto. Às vezes só vamos transferir um negócio quando soubermos que vai funcionar dentro da estrutura corporativa. E um ponto fundamental da criação da ZX não é tanto o desenvolvimento de novos negócios, mas sim ensinar a corporação como evoluir. O mundo está aí, com suas transformações, e a gente ajuda a mostrar para a AB InBev como fazer essa transição. Nossa grande ambição não é simplesmente transferir empresas para a corporação, é fazer com que a AB InBev consiga fazer esse tipo de inovação sem precisar da ZX. O que é um grande desafio.
Gomide – Não tem como construir uma empresa desse tamanho, com mais de 100 projetos independentes, sem capacidade e talento, e a AB InBev sempre foi uma empresa que se baseou em talento. Como é o plano de aquisição de talentos na ZX?
Lebelson – Invariavelmente você vai ter um plano de carreira diferente para cada empresa, pois a estrutura de cada negócio é diferente. Cada negócio precisa de profissionais que vêm por motivos diferentes e com diversos incentivos, que se resolvem com estímulos diferentes. O fundamental, para nós, é que, independente de quem seja o profissional, ele esteja em total alinhamento com os 10 princípios da cultura da AB InBev, que permeiam toda a estrutura. A partir daí, como cada empresa vai direcionar cada profissional é uma consequência desse alinhamento de valores.