Depois de mais de um ano desde que a crise sanitária mundial começou, é evidente como a pandemia do coronavírus mudou as nossas vidas e a forma como fazemos compras. No entanto, às vezes não nos damos conta da extensão real dessas mudanças, a não ser quando as analisamos e as reunimos em um só lugar. Portanto, aqui está um resumo da razão pela qual o setor de supermercados, tão essencial na nossa sociedade, nunca mais será o mesmo.
A digitalização pré-pandemia do setor de supermercados
Antes de nos aprofundarmos, vamos falar um pouco do contexto pré-pandêmico. O setor de supermercados, como qualquer outro, estava no caminho de uma transformação digital, embora mais lenta. De acordo com o Statista, em 2018, a participação no mercado dos supermercados online nos EUA era de apenas 2,7%. Em 2019, esse número aumentou levemente para 3,4%. Comparativamente, o ecommerce do setor da moda teve uma participação no mercado de 16% e 19%, respectivamente, no mesmo período.
Por que este atraso? Bem, o setor de supermercados tem sido, é e será, pelo menos em um futuro próximo, predominante nas compras físicas. Por exemplo, muitos clientes preferem tocar e ver os produtos frescos e escolher os produtos com a melhor data de validade (todos nós já fizemos isso). Eles também gostam de ter atendentes por perto e de experimentar amostras grátis. Resumindo, uma ida ao supermercado pode ser uma experiência muito agradável passando pelos produtos que você precisa, encontrar algo que você nem sabia que queria, procurar as melhores e mais recentes ofertas e, de acordo com um whitepaper da Google & Bain, apenas andando pelos corredores. Por isso, durante muitas décadas, as compras nas lojas têm sido um forte componente das atividades da sociedade, motivo pelo qual o setor não sofreu muitas mudanças ao longo dos anos.
No entanto, apesar da preferência pelo comércio tradicional, a verdade é que a participação online do setor vem crescendo de forma constante nos últimos anos. Isso está acontecendo por uma série de razões.
Por um lado, há a natural correlação com a ascensão da Internet e dos dispositivos smart que têm impulsionado de forma lenta, porém segura, o comércio digital em todas as áreas. Além disso, as gerações digitais (Millennials, Geração Z e todas as gerações futuras) irão se tornar, em breve, a maioria da população mundial, com um incrível poder de compra voltado para o online.
Por outro lado, o comércio digital geralmente atrai a sociedade atual pela conveniência e rapidez. Este atrativo vem crescendo fortemente para o setor de supermercados, que além de não oferecer conveniência, consome muito tempo. Você sabe como é: andar na loja até encontrar cada item da lista de compras, lidar com mudanças inesperadas no layout da loja e crianças impacientes, esbarrar em várias pessoas, esperar na fila do caixa, carregar sacolas cheias para casa em um dia chuvoso, ou ficar preso no trânsito. Ao comprar produtos de supermercado em lojas físicas, também é mais provável que você gaste demais: você não tem uma calculadora em tempo real para saber o valor total das compras do seu carrinho, como acontece se você optar pelo comércio digital; a menos que você faça as contas à medida que você pega um produto, você só saberá o valor da compra quando estiver no caixa.
Historicamente, as compras na loja têm sido consideradas uma experiência agradável e, definitivamente, ainda com suas vantagens, mas uma análise do custo-benefício de comprar ou não na loja agora inclui diferentes parâmetros. Os compradores de hoje valorizam o tempo acima de tudo e demandam uma experiência de compras sem aborrecimentos. Uma boa operação de ecommerce de supermercado pode facilmente atender a essas exigências através de opções flexíveis de fulfillment, métodos de recompra sem esforço e assinaturas automáticas, entre muitas outras funcionalidades.
O setor de supermercados durante a crise sanitária mundial
Em 2020, a participação no mercado dos supermercados online saltou para 10,2%, equivalente a uma taxa de crescimento de 200% em relação ao ano anterior. Mas por que houve um salto tão grande entre 2019 e 2020, mesmo com a COVID-19? Se pensarmos bem, os supermercados foram considerados essenciais na maioria dos lugares e, portanto, podiam escapar das restrições impostas pelo lockdown, ao contrário das lojas de moda que tinham um cenário completamente diferente e tiveram que se adaptar para sobreviver. Então, o que aconteceu exatamente?
Tudo isso se resume à segurança. Nas fases iniciais da pandemia, quando a incerteza reinava, muitas pessoas se sentiam mais seguras em não ir ao supermercado mais próximo, mesmo que estivessem abertos. Elas se sentiram mais seguras em não tocar em tantos objetos, em não andar por tantos corredores e em não encontrar tantas pessoas no caminho de ida e volta ao estabelecimento, um sentimento que continua até hoje. Juntamente com os lockdowns e a recomendação de ficar em casa, o previsível aconteceu: a demanda online disparou. O Emarketer relatou que, somente nos EUA, houve um aumento de 41,9% de consumidores de supermercados digitais em comparação com 2019; a taxa de permanência em casa também subiu para 35% e a frequência mensal de pedidos para 1,9 por cliente ativo. As compras de supermercado online tornaram-se a primeira opção de compra para muitos clientes.
Consequentemente, os supermercados online não conseguiram acompanhar este inesperado e inacreditável aumento da demanda. Por exemplo, o Ocado, um supermercado puramente digital, relatou um aumento de dez vezes na demanda e um tráfego igual a 100 vezes o nível de pré-pandemia. Sites inteiros quebraram e, para a maioria das redes, a entrega no dia seguinte se tornou uma entrega de duas semanas da noite para o dia. A Amazon Fresh e o Whole Foods tiveram que recorrer à lista de espera para clientes que se cadastraram para a entrega de produtos enquanto aumentavam a sua capacidade, assim como todas as outras redes de supermercados. O Tesco, a maior rede de supermercados do Reino Unido, mais do que dobrou a sua capacidade em até 1,5 milhões de pedidos por semana e o mesmo aconteceu com a Sainsbury’s.
Em resumo, tal demonstração de força não foi uma tarefa operacional nada fácil, nem barata, pois também exigiu um aumento de recursos humanos (por exemplo, pessoas para montar pedidos e motoristas para entregá-los). De fato, toda a transição para o mundo online, apesar de necessária, foi percebida com profunda preocupação, pois é conhecida mundialmente como o canal menos lucrativo no setor de supermercados, marcado por margens menores.
A alternativa de não aderir ao modelo digital, no entanto, teria sido muito mais prejudicial. De modo geral, as redes de supermercados que já tinham operações online se beneficiaram muito com a situação, apesar de se sentirem pressionadas pelo novo status quo. Em comparação, as redes de supermercados sem ecommerce se depararam com a decisão de aderir ou não ao mundo online. As que disputam a mudança quiseram fazê-lo o mais rápido possível não só para atender seus clientes, mas também para tirar proveito do momento e não perder espaço para os concorrentes. O Calimax, no México, por exemplo, conseguiu fazê-lo em apenas quatro semanas.
Adaptando as lojas físicas e a escalabilidade
Geralmente, os supermercados com um modelo de retirada na loja (ao contrário dos que dependem apenas do fulfillment de um centro de distribuição) acharam mais fácil atender à demanda inflada devido ao baixo CAPEX e a um menor tempo de entrega. Entretanto, há algumas limitações: a capacidade para a retirada é limitada devido à presença de consumidores na loja, sem falar em um layout confuso, projetado visando um deslocamento sem rumo na esperança de compras por impulso. Algumas redes de supermercados, como o DIA, na Argentina, perceberam isso cedo e se movimentaram rapidamente, transformando várias de suas lojas em dark stores. As dark stores são mini centros de distribuição que funcionam 24 horas por dia, 7 dias por semana para atender pedidos online, são fechadas ao público para uma retirada mais eficiente e situadas estrategicamente em áreas de alta densidade para oferecer um fulfillment mais rápido dos pedidos. A ideia não era exatamente nova, o Target e o Walmart estavam tentando isso mesmo antes da pandemia, mas ganhou popularidade e relevância em 2020, aliviando temporariamente a carga de alguns supermercados.
Além da capacidade de escala da entrega, as opções de fulfillment também se diversificaram. Algumas redes de supermercados implementaram a retirada na loja e a retirada na calçada, um movimento amplamente sustentado por uma estratégia e tecnologia omnichannel. Logicamente, com mais possibilidades houve um maior crescimento, mas qual teria sido esse crescimento se o setor tivesse sido totalmente preparado de antemão? Continuará sendo um grande mistério.
Mas todo o setor de supermercado foi bombardeado de todos os ângulos, não apenas pela participação online. Medidas de segurança tiveram que ser tomadas especialmente nas lojas, causando uma confusão operacional e custos imensos que reduziram os lucros, que para o Morrisons, do Reino Unido, chegaram a 155 milhões de libras. Um efeito colateral positivo desta camada operacional foi que ela se mostrou comprometida com as necessidades do consumidor, ganhando pontos no longo prazo, os clientes estão mais inclinados a comprar se acharem que o negócio está tomando as devidas medidas de segurança.
Mudanças nos hábitos de compra
Sempre que as pessoas optavam por fazer compras no local, a maioria deixou de lado a fidelidade antiga ao seu supermercado preferido e, em vez disso, recorreu ao mais próximo. Os compradores diminuíram o número de idas e vindas, optando por obter mais itens de uma só vez, o que implicitamente aumentou o valor médio da cesta. A diversidade dentro do carrinho diminuiu conforme as pessoas priorizavam as necessidades, mas o desespero para estocar produtos em casa acabou desencadeando um baixo estoque para certos SKUs (por exemplo, farinha, massa, papel higiênico), assim como o outro lado da moeda: a necessidade constante de reabastecer o estoque. A mudança no comportamento do consumidor levou os responsáveis pelos supermercados a concentrar suas energias principalmente no reabastecimento dos itens mais vendidos, o que levou a uma redução geral dos SKUs tanto offline quanto online, sendo este último em torno de 21% a nível global, de acordo com o Euromonitor International.
Além disso, devido ao fechamento dos restaurantes, os consumidores tiveram que recorrer às suas próprias cozinhas. Por fim, estas novas circunstâncias significaram mais dinheiro gasto em compras de supermercado em 2020 do que em 2019. Nos EUA, os picos nos gastos foram os mais altos no mês de março, quando a diferença interanual chegou a mais de 30%; gradualmente, no intervalo de alguns meses, a diferença diminuiu para 10%. Após o período inicial de estocagem, a maioria dos países estabilizou o crescimento do setor de supermercados por volta de 5-10%.
No entanto, apesar do aumento dos gastos acumulados, o comportamento do consumidor final paradoxalmente se tornou mais cauteloso. Os itens com desconto aumentaram sua popularidade e, de acordo com a McKinsey, as pessoas usaram as listas de compras com mais frequência para reduzir a compra por impulso, um comportamento desencadeado pelo ambiente econômico instável e pelo mercado de trabalho enfraquecido pela pandemia.
O setor de supermercados algum dia voltará ao normal?
Olhando para o futuro, o Statista mostra que a participação no mercado dos supermercados online, embora ainda não seja um grande pedaço do mercado varejista de supermercados em geral, está crescendo a um ritmo surpreendente. De fato, estimativas para 2025 prevêem que 21,5% do mercado de supermercado estarão enraizados no comércio digital, o que significa que nenhum grande player do setor será capaz de escapar da digitalização, a menos que queira perder participação de mercado.
Mas, por quê? Por que um crescimento tão grande? As pessoas que se propuseram temporariamente a fazer online as suas compras de supermercado por questões de segurança, não voltarão automaticamente e na sua totalidade às compras tradicionais quando o mundo voltar ao “normal”? A digitalização deste setor não voltará ao ritmo lento como o de antes?
Não, e há pelo menos três razões para isso:
- Primeiramente, algumas pessoas (uma minoria em países mais desenvolvidos, mas uma maioria em países menos desenvolvidos) não haviam até então feito compras online por causa da falta de confiança. Perguntas como “Vou receber meus produtos?” ou “Meu dinheiro estará seguro depois disso?” preocupam a maioria dos compradores que fazem compras online pela primeira vez, independentemente do que desejem comprar. Mas quando não tiveram outra opção, como em 2020, os clientes colocaram o medo do vírus em primeiro lugar e correram o risco de serem enganados nas compras online. Este pequeno movimento lhes permitiu ver em primeira mão que a maioria das compras online é segura e confiável. Por isso, as dúvidas que retraíam muitas pessoas foram se dissipando gradualmente e elas não abandonarão este hábito tão facilmente.
- Em segundo lugar, desta vez mais específico para o setor de supermercados, os benefícios acima mencionados de conveniência e rapidez que levaram alguns compradores a fazer pedidos online bem antes da pandemia se tornarão agora familiares para todos. As compras online, se implementadas da maneira correta, continuam sendo a alternativa mais rápida e fácil para obter suas compras de supermercado em um mundo cada vez mais agitado. Uma vez que as pessoas experimentem as suas vantagens, é muito improvável que elas as abandonem.
- Em terceiro lugar, as ações realizadas frequentemente durante um período de tempo mais longo se tornam hábitos. No momento em que escrevemos este blog, o mundo passou o marco de um ano desde que a COVID-19 se tornou um elemento onipresente nas nossas vidas. As vacinas estão bem encaminhadas em muitos países, mas os picos dos casos ainda são muito comuns, portanto, os lockdowns e as restrições provavelmente permanecerão em nosso vocabulário diário por mais algum tempo. Este período prolongado significa que tivemos a oportunidade de experimentar, familiarizar-nos e realmente aproveitar as compras de supermercado online. Segundo a ciência comportamental, isso significa que tivemos mais do que tempo suficiente (em média, dois meses) para fazer disso um hábito. As chances de abandonar esses hábitos, uma vez que eles estejam totalmente estabelecidos em nossas vidas, são baixas.
Em suma, os consumidores dos supermercados digitais vieram para ficar, e eles mesmos dizem isso. Das dezenas de milhares de clientes que compraram alimentos online na Waitrose em 2020, por exemplo, mais de 70% afirmam que continuarão a fazer isso mesmo depois da pandemia. Da mesma forma, os supermercados ainda estão aumentando a sua capacidade de entrega e fazendo movimentos permanentes voltados para as dark stores. E mesmo deixando para outra conversa como será o futuro dos supermercados, não é surpresa que o futuro será muito diferente e altamente digitalizado. A COVID-19 de fato mudou para sempre o setor de supermercados.